segunda-feira, 29 de agosto de 2011

"Coisas que o Vinicius fez..." #11


Soneto de Fidelidade

 De tudo ao meu amor serei atento
 Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
 Que mesmo em face do maior encanto
 Dele se encante mais meu pensamento.

 Quero vivê-lo em cada vão momento
 E em seu louvor hei de espalhar meu canto
 E rir meu riso e derramar meu pranto
 Ao seu pesar ou seu contentamento

 E assim, quando mais tarde me procure
 Quem sabe a morte, angústia de quem vive
 Quem sabe a solidão, fim de quem ama

 Eu possa me dizer do amor (que tive):
 Que não seja imortal, posto que é chama
 Mas que seja infinito enquanto dure.

"Coisas que o Vinicius Fez..." #10

Eu não existo sem você.


Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
 Que nada nesse mundo levará você de mim
 Eu sei e você sabe que a distância não existe
 Que todo grande amor
 Só é bem grande se for triste
 Por isso, meu amor
 Não tenha medo de sofrer
 Que todos os caminhos
 Me encaminham pra você

 Assim como o oceano
 Só é belo com luar
 Assim como a canção
 Só tem razão se se cantar
 Assim como uma nuvem
 Só acontece se chover
 Assim como o poeta
 Só é grande se sofrer
 Assim como viver
 Sem ter amor não é viver
 Não há você sem mim
 Eu não existo sem você

"Coisas que o Vinicius fez..." #9

Tomara. 


Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais  

"Coisas que o Vinicius fez..." #8

8Frases de Vinicius de Moraes.


“Amar, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.”
“Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia.”
“O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado.”
“A gente não faz amigos, reconhece-os.”
“Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!”
“Quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu...”
“A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”
“Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém...”
“Por mais longa que seja a caminhada o mais importante é dar o primeiro passo.” 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

"A noticia da morte de Vinicius de Moraes"

"Foi com emoção que o Brasil recebeu, no dia 9 de julho de 1980, a notícia da morte do poeta e compositor Vinícius de Moraes. Depois de passar a madrugada compondo músicas infantis com seu parceiro Toquinho, sentiu-se mal ao acordar pela manhã. Antes que a ambulância chegasse, morreu ao lado de sua mulher Gilsa. Estava com 66 anos de idade.
Repercussão. Considerado um dos maiores nomes da poesia contemporânea, Vinícius deixou uma forte marca na memória das pessoas com as quais conviveu. "Ele era perfeito, senhor absoluto de sua arte e soube interpretar, de maneira fina, o sentimento do seu povo", falou ao Estado o também poeta Carlos Drummond de Andrade. "Eu o conhecida há quase 50 anos. Era como se fosse meu irmão mais moço. Vinícius ocupa um papel enorme na poesia e na música popular", destacou o historiador Sérgio Buarque de Hollanda. O escritor Antonio Callado lamentou, "estou bastante chocado, pois há pouco mais de um mês estive com ele e pareceu-me bem de saúde".
Mulheres. Vinícius amou tanto quanto pôde. Além das inúmeras paixões pelas quais foi acometido ao longo da vida, ao morrer havia sido casado nove vezes, tinha cinco filhos e três netos. Depois de deixar o Itamaraty, passou a viver de música, apresentando-se ao lado de Toquinho, do Quarteto em Cy, de Maria Creuza, entre outros."

Retirado de: www.estadao.com.br/noticias

"Coisas que o Vinicius fez..." #7

"A esposa"
Rio de Janeiro

Às vezes, nessas noites frias e enevoadas
Onde o silêncio nasce dos ruídos monótonos e mansos
Essa estranha visão de mulher calma
Surgindo do vazio dos meus olhos parados
Vem espiar minha imobilidade.

E ela fica horas longas, horas silenciosas
Somente movendo os olhos serenos no meu rosto
Atenta, à espera do sono que virá e me levará com ele.
Nada diz, nada pensa, apenas olha - e o seu olhar é como a luz
De uma estrela velada pela bruma.
Nada diz. Olha apenas as minhas pálpebras que descem
Mas que não vencem o olhar perdido longe.
Nada pensa. Virá e agasalhará minhas mãos frias
Se sentir frias suas mãos.

Quando a porta ranger e a cabecinha de criança
Aparecer curiosa e a voz clara chamá-la num reclamo
Ela apontará para mim pondo o dedo nos lábios
Sorrindo de um sorriso misterioso
E se irá num passo leve
Após o beijo leve e roçagante...

Eu só verei a porta que se vai fechando brandamente...
Ela terá ido, a esposa amiga, a esposa que eu nunca terei.

"Coisas que o Vinicius fez..." #6

"A brusca poesia da mulher amada"
Rio de Janeiro

Longe dos pescadores os rios infindáveis vão morrendo de sede lentamente...
Eles foram vistos caminhando de noite para o amor - oh, a mulher amada é como a fonte!
A mulher amada é como o pensamento do filósofo sofrendo
A mulher amada é como o lago dormindo no cerro perdido
Mas quem é essa misteriosa que é como um círio crepitando no peito?
Essa que tem olhos, lábios e dedos dentro da forma inexistente?

Pelo trigo a nascer nas campinas de sol a terra amorosa elevou a face pálida dos lírios
E os lavradores foram se mudando em príncipes de mãos finas e rostos transfigurados...

Oh, a mulher amada é como a onda sozinha correndo distante das praias
Pousada no fundo estará a estrela, e mais além.

"Coisas que o Vinicius fez.." #5

"A anunciação"
 Montevidéu

Virgem! filha minha
De onde vens assim
Tão suja de terra
Cheirando a jasmim
A saia com mancha
De flor carmesim
E os brincos da orelha
Fazendo tlintlin?
Minha mãe querida
Venho do jardim
Onde a olhar o céu
Fui, adormeci.
Quando despertei
Cheirava a jasmim
Que um anjo esfolhava
Por cima de mim...

"Coisas que o Vinicius Fez..." #4

"A alegre década de 20"

Suponhamos, leitor, que você acorde um dia quatro décadas atrás, no período entre 1920 e 1930 que sucedeu à Primeira Grande Guerra e onde a disponibilidade e falta de critério eram gerais: os "Gay Twenties", como ficou conhecida nos Estados Unidos a era do jazz, tão fabulosamente vivida e narrada pelo romancista Scott Fitzgerald.
Suponhamos que você tivesse uma amiga, ou melhor, uma "amiguinha" rica e quisesse fazer um programa com ela. Iria encontrá-la em casa metida num peignoir de cetim ciré, sandálias de pompom, piteira em riste a queimar um Abdoula, envolta em ondas de Mitsoukou ou Tabac Blond, do perfumista Caron. Ela estaria, naturalmente, num divã coberto de almofadas, e na testa da jovem "melindrosa", você notaria um "pega-rapaz", ou antes, uma "belezinha", feita com uns poucos fios de cabelo.
Você ficaria, leitor amigo, como é natural, entre surpreso e encantado, sobretudo quando notasse que, ao sorrir, a sua diva mordia a pontinha da língua num tique faceiro. E mais encantado ainda quando, ao pedir um uísque, visse a empregada voltar com um coquetel rose, delicada beberagem à tona da qual estaria boiando, qual leve batel, uma pétala de rosa...
Depois de tomar uns oitenta desses, você ouviria a sua amiguinha adverti-lo contra os perigos de uma "carraspana". Mas qual! Estando habituado ao uísque falsificado da maioria das nossas boates e bares, você nem estaria sentindo o anunciado "pifão". Pelo contrário. Animadíssimo, colocaria uma "chapa" no gramofone e tiraria sua amiguinha para dançar um ragtime. Em seguida, mirando ao espelho a sua elegância - calça estreita de flanela, paletó azul-marinho cintado, camisa listada, gravata borboleta, sapato camouflage e chapéu de palhinha você, com uma graciosa pirueta de satisfação, convidaria sua amiguinha para uma saída:
- Vamos ao chá dançante do Palace Hotel?
E ela, com um muxoxo:
- Não, hoje eu preferia muito ir ver o Bataclan. Dizern que é "supimpa".
Dado a coisas mais finas que o vaudeville ou o teatro de revista, você ainda tentaria convencer o seu "pedaço de mau caminho" a ir, em vez, à festa do Fluminense ouvir os Corsarinos e sua jazz band: um negócio do "balacobaco". Mas a menina não estava nada para coisas muito formais.
Em vista do quê, você, leitor, estirando-se numa otomana, à luz do abajur cor bleu (como bem caraterizava o fox-trot "Hindustão") você pegaria com um gesto displicente os poemas de Hermes Fontes, ou o La Garçonne de Victor Margueritte - e perdido entre bibelôs, esperaria que sua amiguinha se arrumasse "com uma rapidez de Fregoli", conforme anunciara, referindo-se ao famoso transformista.
Mas essa arrumação tomaria tempo. Primeiro, desfazer os papelotes e desbastar a gaforinha - coisa que levava usualmente uma meia hora. Depois, enfiar as meias fumées, os sapatos mordorés, o chapéu canotier e passar no pescoço o renard argenté (uma magra raposinha a morder o próprio rabo). Só então a sua linda vigarista, depois de um último retoque ao espelho da entrada, iria à vida com você para diverti-lo um pouco à custa de uns magros "caraminguás".
De volta ao tempo presente, leitor, você acharia que não era má a idéia de uma saída para ir ao 36 ver o Caymmi, ou ao Sacha's para gozar do refrigerado. Aí você passaria a mão no telefone, discaria um número, e quando a voz feminina lhe respondesse do outro lado você diria assim:
- Como é, ó vigarista? Mete aí um bom pano em cima de ti e vamos enfrentar um escurinho musicado. Não, nada de botar banca pra cima de mim. Eu te manjo. É isso mesmo. Vamos lá tirar a ficha da moçada. A gaita anda curta para o scotch mas dá para molhar a garganta com uma "loura". Menina, hoje estou enxugando o fino! O couvert já está conversado. Você sabe que o papai mora no assunto. Taca peito.

"Coisas que o Vinicius fez..." #3

"Alma perdida"


Alma perdida
Teu cantochão tão longe
Tão sozinho chegou até mim
Ai, quisera eu tanto dizer
Volta
Oh, alma perdida
Volta
Oh, alma
Vem amar
Vem sofrer


"Amor em paz" 

Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar

Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz
   

"Coisas que o Vinicius fez..." #2

"A formiga"

As coisas devem ser bem grandes
Pra formiga pequenina
A rosa, um lindo palácio
E o espinho, uma espada fina

A gota d'água, um manso lago
O pingo de chuva, um mar
Onde um pauzinho boiando
É navio a navegar

O bico de pão, o corcovado
O grilo, um rinoceronte
Uns grãos de sal derramados,
Ovelhinhas pelo monte

"Acende uma lua no céu"

Acende uma lua no céu
E muitas estrelas no olhar
E deixa-te linda e sem véu
Envolta num brando dossel de luar

Semeia de flores teu chão
E abre a janela aos perfumes do ar
E esquece tua porta entreaberta
Porque na hora certa
Verás teu poeta surgir
E entrar e abraçar-te chorando

E amar-te até quando
Tiver que partir

Série: "Coisas que o Vinicius fez..." #1

"A carta que não foi mandada"

Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor

Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei... nem lembro mais 




 


"A dor a mais"

 Foi só muito amor
Muito amor demais
Foi tanta a paixão
Que o meu coração, amor
Nem soube mais
Inventei a dor
E como ela nos doeu

Ah, que solidão buscar perdão
No corpo teu
Tanto tempo faz
Tens um outro amor, eu sei
Mas nunca terás
A dor a mais
Como eu te dei
Porque a dor a mais
Só na paixão
Com que eu te amei"

Vinicius de Moraes.

Marcus Vinicius da Cruz Mello Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913, no Rio de Janeiro. Atraído pela música desde cedo, Vinícius de Moraes teve seu primeiro poema musical publicado na revista A Ordem, em 1932. Morreu também no Rio de Janeiro, a 9 de julho de 1980. Os primeiros passos de sua carreira estão ainda sob influências neo- simbolistas, contendo certo misticismo. Porém, logo modificou seu estilo para o erotismo, em contraste à suas obras de tom bíblicas anteriores. Nesta segunda fase, Vinícius de Moraes é caracterizado por inovações na ordem formal, a mais notável destas seria o aparecimento dos sonetos. Revela também, nesta segunda fase, uma valorização para o momento, com as coisas acontecendo de repente. Seus poemas trabalharam também com a felicidade e/ou a infelicidade muitas vezes, também. O autor procurou também escrever algumas poesias no ramo social. Fez também importante colaboração para a música nacional, cantando no estilo bossa nova.